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A Imperatriz

por Maíra Dal'Maz
Fotografia: Palácio Imperial – Revert Henrique Klumb (Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).

Maíra Dal’Maz é paraense, mas vive em Natal. É doutoranda em literatura comparada pela UFRN e tem dois livros de poemas publicados: Agouro (2021, Escaleras) e Ex-voto (2022, Urutau).


I

As pernas abertas da Imperatriz 
recebem as boas novas
  o crescimento da vagem preferida 
  o som das estrelas morrendo.
Entre os cabelos dela
– presa ao broche real –
   uma caneta qualquer 
pronta para substituir o cetro
   e todos os símbolos indivisíveis.
O índigo profundo é a nova cor.
   Seus fios não nascem da cabeça 
   mas das ordens sísmicas do fogo.

As pernas abertas da Imperatriz 
apoiam, em uma de suas fortes coxas,
  o escudo. Gravado nele – a nanquim –
  a ave protetora de asas abertas 
aplanada e caindo ao seu colo.
Suas mãos descansam dedos longos
dêixis de ordem intempestiva
  atrofiados de tocar-se
entre vincos e farpas sem alarme. 
  Toda a taquara e o couro de anta
  vêm de seu ventre
que, por detrás daquele escudo,
ela o ampara. 

II

A Imperatriz com as pernas abertas
corta os cabelos
e com um gesto cria asas de cetim
  eis o inseto que voa na tempestade
  capaz de ser engolido por qualquer 
boca.

O impulso de pousar é sacerdotal:
assiste muito viva a transformação 
  da mariposa morta na parede
em tinta índigo
e o resto dos seus cabelos
na cor da sua vênus
  inscreve-se e encerra o ciclo 
  da vida do imperador.

III

O sorriso da Imperatriz com as pernas abertas
é mais cínico que a cabeça comprida 
  de um fungo que lhe conta 
a minha história.
Isso quer dizer que ela resolveu viver
como um bicho querido
um cão
que abre as pernas
e lambe primeiro a comida 
  depois os próprios dedos 
  depois as suas unhas
  depois os seus bigodes
  depois o todo terreno
  depois suas canetas
  depois o cu de outros cães
  depois o próprio cu
  depois a morte
já engolida
pela mão do homem.


Fotografia: Palácio Imperial – Revert Henrique Klumb (Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).

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